sábado, 5 de abril de 2008

Pega na mentira...?


Olá, amigos.


Como é de hábito no calendário universal, o primeiro dia do mês de abril é considerado o "Dia da Mentira". Desde que o monarca francês Carlos IX, em 1564, estipulou que a virada do ano passasse a ser oficialmente no primeiro dia de janeiro (e não em primeiro de abril), convencionou-se dedicar este dia a fazer brincadeiras, dar anúncios estapafúrdios e, ao final, gritar-se a frase "primeiro de abril".

E em mais um dos momentos irreverentes do cancioneiro assinado por Roberto Carlos e Erasmo Carlos, Erasmo dedicou a segunda faixa do lado A de seu LP "Mulher" (de 1981) a uma música que enumerava "mentiras" para, ao final de cada estrofe, entoar o refrão "pega na mentira...". 27 anos depois deste LP bem sucedido de Erasmo, e considerado por muitos um dos melhores discos da década de 1980 na Música Popular Brasileira, hoje este fotolog ressalta alguns versos de "Pega na mentira" que já tiveram seus dias de verdade.

O primeiro verso, que traz uma vontade futebolística da dupla, pedindo as contratações de Zico e Pelé para o escrete do Vasco da Gama, clube de coração da dupla (e também deste que vos escreve). A "mentira" de que ambos estariam jogando pelo Vasco apareceu em dois momentos.

No ano de 1993, Zico, o "Galinho de Quintino" que marcou época no Flamengo, deixou a grande rivalidade de lado para vestir a camisa do Vasco. Ele jogou durante 45 minutos uma partida amistosa entre Vasco e La Coruña que marcou a despedida dos gramados de um craque da mesma geração - o artilheiro Roberto Dinamite. A partida terminou com vitória do clube espanhol por 2 a 0 no Maracanã.

Já Pelé, um ano antes do início de sua consagração na Copa do Mundo de 1958, jogou pelo Vasco em três ocasiões. Como era comum ocorrer naquela época, foi formado um "combinado" (escalação mesclando jogadores de dois ou mais equipes) entre Santos e Vasco para a disputa de jogos amistosos - e no acordo, se decidiu que os jogadores usariam a camisa vascaína nas partidas realizadas no Rio de Janeiro e a camisa santista nos jogos em São Paulo. Em terras cariocas, o "Combinado Santos-Vasco", com camisa do clube do Rio de Janeiro, derrotou o Belenenses, de Portugal, pelo placar de 6 a 1 (com três gols de Pelé) e empatou em 1 a 1 nos dois jogos seguintes - contra o Zagreb, da Iugoslávia, e contra o Flamengo. Em ambas as partidas, Pelé marcou os gols da equipe (e também no único jogo que realizaram em São Paulo, desta vez com os jogadores vestindo a camisa do Santos, num empate em 1 a 1 com o São Paulo).

Ainda na primeira parte da canção, Erasmo cantou uma coisa que na época parecia extremamente distante do cotidiano brasileiro - a notícia do fim da inflação. O país convivia com a inflação galopante, um aumento de preços desenfreado tirava o sono dos brasileiros e que não conseguia ser amenizado pela sucessão de planos e de moedas. Até que no início do ano de 1994, o então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso criou o "Plano Real", que conseguiu estabilizar os números alarmantes da economia brasileira. Não se pode dizer que a inflação acabou, mas, ela atualmente existe de maneira mais amena do que nos anos 80 - considerados por analistas políticos como "a década perdida"no Brasil. Além da instabilidade financeira e dos sucessivos fracassos dos Planos Bresser, Verão e Cruzado, o país viu a reabertura política após os pesados "anos de chumbo" acontecer de forma "lenta, gradual e segura", e o sonho de eleições diretas acabou no veto à emenda conhecida como "Diretas Já".

Na primeira parte após o refrão, a música gravada por Erasmo usou uma alegoria de um dia festivo como forma de denunciar a desigualdade social que já naquela década permeava a sociedade brasileira. Na cruel realidade da busca pelo lucro, Papai Noel seria visto numa favela só mesmo em sonho. Entretanto, algumas Organizações Não-Governamentais (ONGs) e iniciativas políticas tentam encontrar alguma forma (mesmo que paliativa) de dar felicidade às crianças carentes. Uma delas é, no período que antecede a festa de Natal, colocar uma pessoa vestida de Papai Noel para chegar de helicóptero nas comunidades carentes. Só que este fato ganhou as manchetes dos jornais ao final do ano passado por um episódio lamentável: no Complexo do Alemão (local onde se situa um conglomerado de favelas do Rio de Janeiro), um helicóptero que trazia o "Papai Noel" foi alvo de tiros de fuzil disparados por traficantes que comandam a região.

Na última estrofe da "enumeração de mentiras" feita por Roberto e Erasmo, outros dois dados tiveram destaque ultimamente. A dificuldade dos vestibulares (provas anuais nas quais estudantes disputam vagas para universiades) foi combalida nos últimos anos graças ao mau ensino de algumas faculdades abertas de maneira leviana e a dois episódios simbólicos deste panorama que se abriu no ensino superior brasileiro: um analfabeto teve pontos suficientes para cursar uma faculdade do Rio de Janeiro e, mais recentemente, uma criança de oito anos conseguiu, através das provas, ter direito a fazer o curso de Direito de uma universidade de Goiânia.

Sim, é bem verdade que o fato de o carnaval acontecer em um dia só é um fato bem longe da realidade brasileira (na parte festiva e/ou de feriados, a tendência é o aumento do número de dias). E também está bem longe a idéia de que o carnaval esteja "sem censura". No desfile das escolas de samba realizado este ano no Rio de Janeiro, a escola São Clemente foi penalizada em 0,5 ponto porque a rainha da bateria teria desfilado com a genitália à mostra (segundo a modelo, o tapa-sexo teria descolado). A "censura" moral do período carnavalesco é uma das coisas que ainda prosseguem como verdade desde o tempo do "pega na mentira" até os dias de hoje.

Outras características apontadas na música da dupla prosseguem no dia-a-dia da população brasileiro. A ironia da canção ainda é válida, tanto na abordagem de questões ambientais, como a preservação da Amazônia e a matança de peixes, quanto em peculiaridades da nação - o fato de muitos turistas argentinos apreciarem a praia de Copacabana e da população brasileira seguir prestigiando as novelas.

Felizmente, outra "mentira" que Roberto e Erasmo pegaram continua tendo sentido. O amor ainda não acabou, e sobrevive na vida, na prosa, no verso, e também em letra e música - como as que a dupla escreve para nós ouvirmos. Pois, embora os dois tenham pedido recentemente esclarecimentos, apontados nos versos "só quero a verdade, nada mais que a verdade", Roberto Carlos e Erasmo Carlos sabem da graça que é pegar alguém na mentira.


Segue a letra! Na foto, Roberto e Erasmo no início dos anos 80 - "década perdida" na qual eles tiveram o "achado" de compor a música abaixo.


Abraços a todos, Vinícius.


PEGA NA MENTIRA - Roberto e Erasmo

Zico tá no Vasco, com Pelé
Minas importou do Rio a maré
Beijei o Beijoqueiro na televisão
Acabou-se a inflação
Barato é o marido da barata
A Amazônia preza sua mata-ta-ta


Pega na mentira, pega na mentira...
Corta o rabo dela
Pisa em cima, bate nela
Pega na mentira...

Já gravei um disco voador
Disse a Castro Alves seu valor
Em Copacabana não tem argentino
Sou mais moço que o menino
Vi Papai Noel numa favela
O Brasil não gosta de novela...


Pega na mentira, pega na mentira...
Corta o rabo dela
Pisa em cima, bate nela
Pega na mentira...

Sônia Braga é feia, não é boa
Já não morre peixe na lagoa
Passa todo mundo no vestibular
O amor vai se acabar
Carnaval agora é um dia só
Sem censura e guaraná em pó, pó, pó...

Pega na mentira, pega na mentira...
Corta o rabo dela
Pisa em cima, bate nela
Pega na mentira...

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