sexta-feira, 25 de abril de 2008

As décadas de Roberto Carlos - Anos 70




Olá, amigos.

Prosseguindo a homenagem ao aniversário de Roberto Carlos, que pintou em azul e branco as cores de abril desde o dia 19 de abril de 1941, este blogue continua sua série As décadas de Roberto Carlos. E hoje passamos à década de 1970, uma década de ousadias no mundo e no universo musical de RC.

Na política mundial, tudo em volta parecia deserto, tudo certo "como dois e dois são cinco" na rixa entre Estados Unidos e a União Soviética na Guerra Fria. Os norte-americanos continuavam com sua invasão ao Vietnã, numa guerra que terminaria sem vencedores. Mas outros países estariam em evidência, graças à ousadia de revolucionários que acabaram com o colonialismo.

A Revolução dos Cravos, de 1974, decretou a independência de todos os países africanos que ainda eram colônias de Portugal: Guiné-Bissau, Cabo Verde, Moçambique, Angola e São Tomé e Príncipe. Entretanto, o território africano foi palco de um momento vergonhoso para a história: as guerras pela independência da Namíbia e da Rodésia.

No Brasil, a Ditadura iniciou a década cada vez mais fortalecida. Com a instituição do Ato Institucional Número 5 e o poder centralizado na perseguição e na tortura, o governo Médici se tornaria o mais sanguinário da história. Os brasileiros tinham três opções: a luta armada, o desbunde e o exílio. Do exílio, Caetano Veloso receberia um presente: em visita a terras londrinas, Roberto Carlos deu-lhe a música Debaixo dos caracóis dos seus cabelos, música feita com Erasmo Carlos para matar as saudades do Brasil - de onde ele tinha saído à força, como acontecera também com Chico Buarque e Gilberto Gil.

Surgiam alguns movimentos estudantis e, em especial muitos movimentos armados de oposição ao regime, dentre eles a Guerrilha do Araguaia, na qual militantes do Partido Comunista do Brasil (PC do B) iam para a região tentando combater o militarismo para implantar o comunismo no país. Com os órgãos de imprensa convivendo com a censura ampla, geral e irrestrita, as notícias não chegavam à população - e jornais como O Estado de S. Paulo ironizavam colocando, no lugar das notícias vetadas pela censura, receitas de bolo. A ironia também fez parte de outro jornal de oposição ao regime - O Pasquim, iniciado no fim da década anterior e que reuniu nomes como Jaguar, Ziraldo, Millôr Fernandes, Sérgio Cabral, Paulo Francis e Tarso de Castro.

Emílio Garrastazu Médici continuava mantendo as aparências através de aparições constantes em partidas de futebol, e foi responsável pela mudança de técnico da Seleção Brasileira às vésperas da Copa do Mundo de 1970. O presidente pediu a escalação do então artilheiro do Atlético Mineiro, Dadá Maravilha, e o treinador João Saldanha retrucou com a frase: "o presidente escala o Ministério, e eu escalo a Seleção". Foi o suficiente para que "as feras do Saldanha" passassem a ser comandadas por Zagallo. Alheia aos incidentes dos bastidores, a Seleção Brasileira, que tinha em sua escalação os nomes de Pelé, Jairzinho, Gérson e Tostão, voltou do México trazendo a Taça Jules Rimet em definitivo (o time que vencesse o torneio por três vezes guardaria ela para sempre em sua sala de troféus) após vencer os seis jogos disputados - e, na final, derrotar a Itália pelo placar de 4 a 1. Com um dado curioso: Dadá não atuou em nenhuma partida da Copa. Ele voltaria a ter destaque no ano seguinte, quando seu gol daria ao Atlético Mineiro o título do primeiro Campeonato Brasileiro (anteriormente, existiam partidas entre times de vários estados, mas não nos moldes iniciados em 1971 e que prosseguem até os dias de hoje) na vitória por 1 a 0 sobre o Botafogo.

Nas outras duas edições da Copa do Mundo, o Brasil teve passagens frustrantes. Em 1974, sem Pelé, que pediu dispensa, a Seleção dirigida por Zagallo e comandada por Rivelino não resistiu ao talento do "carrossel holandês" e perdeu o jogo decisivo da fase final por 2 a 0 para o encantador time de Johann Cruyff (que só não resistiu à campeã Alemanha). A derrota por 1 a 0 para a Polônia na decisão do terceiro lugar fez o time retornar ao Brasil em quarto lugar. No ano de 1978, agora sob o comando de Cláudio Coutinho, a Seleção apresentou uma safra de bons jogadores, que fizeram o time terminar o torneio invicto... mas em terceiro lugar. Os anfitriões argentinos precisavam vencer por quatro gols de diferença para garantir o primeiro lugar na fase decisiva, pois estavam empatados com a Seleção Brasileira. Misteriosamente, o jogo entre Argentina e Peru (que seria na mesma hora que o do Brasil) foi transferido para duas horas depois, e o goleiro peruano decretou vitória argentina por 6 a 0. Restou ao Brasil derrotar a Itália por 2 a 1 e se definir como "campeão moral" da Copa de 1978, vencida pela Argentina, novamente tendo a Holanda como vice-campeã.

O outro alicerce da manutenção do apoio ao governo militar brasileiro acabou virando farelo. O excepcional crescimento econômico que vinha desde 1969 - o "Milagre brasileiro" - e a idéia do ministro Delfim Netto de fazer crescer o bolo para depois distribuí-lo ao povo não sobreviveu à primeira crise do petróleo, em 1974, e fez reduzir pela metade o crescimento anual da economia brasileira.

Em 1974, Médici foi substituído por Ernesto Geisel na cadeira mais importante do Brasil, e a Ditadura passou a ficar enfraquecida aos olhos da população - principalmente depois do assassinato do jornalista Wladimir Herzog, que "foi suicidado" na prisão. Pressionada pelo senso comum, a Ditadura ficou mais flexível, promovendo a revogação do AI-5 e baixando a Lei da Anistia, que a partir de 1979 fez com que bons filhos brasileiros como Betinho e Fernando Gabeira pudessem retornar à sua casa chamada Brasil. Este era o ponto inicial de uma abertura política "lenta, gradual e segura" que teria continuidade no governo de João Baptista Figueiredo, último presidente militar do país.

O cenário musical trouxe à tona bandas de rock psicodélicas como Pink Floyd, Led Zeppelin e Deep Purple, mas teve espaço também para as músicas de discoteca, a partir do bem sucedido filme Os embalos de sábado à noite, protagonizado por John Travolta. As discotecas se popularizaram também no Brasil, mas através da televisão, na novela Dancin'days, de Gilberto Braga. A Música Popular Brasileira ia bem, obrigado, trazendo não só discos fenomenais de Elis Regina, Maria Bethânia, Chico Buarque, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Caetano Veloso e Gilberto Gil, mas também reuniões musicais que se tornaram registros fonográficos: Caetano e Chico - Juntos e ao vivo, Doces bárbaros (reunião de Gal Costa, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia), Chico Buarque & Maria Bethânia e Tom, Vinícius, Toquinho e Miúcha. Era o país se curtindo musicalmente.

O Brasil na época já se consolidava como o grande fabricante de teledramaturgia, e em 1973 viu sua primeira novela totalmente em cores - O bem amado, de Dias Gomes. Nesta época tiveram destaque autores fantásticos, como Dias Gomes, Cassiano Gabus Mendes, Janete Clair e Lauro César Muniz. Era a TV Globo se consagrando na escalada pela audiência.

E a emissora do Jardim Botânico traria nesta década um grande evento para a audiência televisiva e musical. No fim de 1974, veio a primeira edição do Roberto Carlos Especial, inaugurando a tradição de todos os anos termos o prazer de rever RC, e muitas vezes bem acompanhado de seus convidados. O primeiro especial teve como convidados Erasmo Carlos, Antônio Marcos e Paulo Gracindo, além das participações de seu filho Segundinho (contracenando com personagens do programa infantil Vila Sésamo e depois 'pilotando' um carro de brinquedo enquanto o pai cantava O calhambeque), das suas filhas Luciana e Ana Paula e da esposa, Cleonice Rossi.

Nesta década, Roberto revelou a maturidade de suas canções, que apresentaram uma pluralidade de temas em letras e músicas primorosas para o cancioneiro brasileiro. A inocência da Jovem Guarda era vista pelo espelho, na distância se perdendo, cedendo espaço primeiro para a influência da soul music, e depois adentrando por um terreno ousado - o erotismo. Desta safra vieram Proposta, Seu corpo, Os seus botões, Cavalgada, Café da manhã.

Os anos 70 apresentaram também a transposição da religiosidade para as faixas de seus discos. Do tom raivoso de quem canta com a alma do soul apresentadas em Jesus Cristo e Todos estão surdos até os louvores de A montanha, O homem e , RC seguia cantando e seguindo uma luz lá no alto. A "mensagem" veio também na forma de canções com temáticas ecológicas, como O progresso e O ano passado.

Na década mais apreciada por críticos musicais, Roberto não só deu voz a canções escritas em parceria com Erasmo que até hoje recebem leituras de vários artistas (Além do horizonte, Amigo, 120...150...200 km por hora e, a mais aplaudida de todas - Detalhes), como também apresentou em sua discografia compositores que, através de suas interpretações, teriam sua obra reconhecida - Isolda (Outra vez), Maurício Duboc e Carlos Colla (Falando sério), Benito di Paula (Amanheceu)e os dois grandes artistas Fagner e Belchior (Mucuripe). A música brasileira retribuiu as canções que ele fez pra nós, com suas canções recebendo leituras de vários artistas - dentre elas, Nara Leão, que fez um disco interpretando apenas canções de Roberto e Erasmo, intitulado ...E que tudo mais vá pro inferno (mas, em sua prensagem mais recente, "rebatizado" de Debaixo dos caracóis dos seus cabelos). Com o passar dos anos, esta reverência à sua obra ganhou níveis internacionais, em especial depois que ele começou a gravar discos para o mercado latino - se tornou comum RC lançar um disco no Brasil em dezembro e, no início do ano seguinte, lançar um LP com suas canções versionadas para o espanhol.

A consagração veio também no palco, em turnês realizadas sob a direção da dupla Luiz Carlos Miéle e Ronaldo Bôscoli que fizeram Roberto Carlos estender por meses suas apresentações na casa de espetáculos Canecão - A 200 km por hora, Além da velocidade, Concerto e Palhaço foram as apresentações da época - nos três primeiros shows com sua orquestra sob a regência de Chiquinho de Moraes, para, a partir de 1977, ter a companhia do maestro Eduardo Lages (que até hoje prossegue a cargo dos arranjos e regência, não só de sua orquestra, mas também de seus discos).

Roberto, que iniciou a década a 200 km por hora, aos poucos foi tirando o pé do acelerador, para buscar novos rumos, nas curvas do erotismo e da linha romântica que até hoje o consagra. Afinal, não é qualquer artista que consegue cantar coisas mais sensuais em propostas com palavras cuidadosamente escolhidas numa canção de amor - como é a música de hoje, terceira faixa do LP de 1973.

Segue a letra! Na foto, Roberto Carlos agradecendo o aplauso do público durante um show da década que apresentamos hoje.

Abraços a todos, Vinícius.

PROPOSTA - Roberto e Erasmo

Eu te proponho
Nós nos amarmos, nos entregarmos
Nesse momento
Tudo lá fora deixar ficar

Eu te proponho
Te dar meu corpo
Depois do amor o meu conforto
E além de tudo, depois de tudo, te dar a minha paz

Eu te proponho
Na madrugada, você cansada
Te dar meu braço
E no meu abraço, fazer você dormir

Eu te proponho
Não dizer nada, seguirmos juntos a mesma estrada
Que continua, depois do amor
Ao amanhecer...
Ao amanhecer...

Eu te proponho...

5 comentários:

James Lima disse...

Poxa, Vina. Bacana... Bacana essa série e seu texto tá muito bom. Desculpa por ter falhado um post.

Abraços
RC BRAGA VAI LÁ

Anônimo disse...

Muito bom esse texto e os detalhes que ocorreram na década de 70. A época onde o romantismo do Rei aflorou.
Muito bacana seu comentário, Vinícius.
Leda Martins.

Anônimo disse...

Essa sua retrospectiva tá muito legal sobretudo porque você traça um paralelo entre a história do Brasil e as canções do rei!

Sempre achei injusta a forma como o pessoal trata Roberto, deixando-o a margem da história, quando na verdade ele é a história do país musical!

Os anos 70, e que aquele nosso amigo não leia isso, maracaram a maturidade do rei em canções jamais compostas em décadas algumas! Eu diria que ali residem os maiores clássicos dele. Para a década ficar perfeita, só mesmo uma sonoridade melhor, fato que ele alcançará na década seguinte, com o rei buscando o que existe de mais elegante na música!

Viva ao Roberto!

Blog Música do Brasil
www.everaldofarias.blogspot.com

Um forte abraço!

Rosangela Amorim disse...

Vinícius! Muito legal o seu blog!
Adorei o texto!
Um forte abraço pra você!

Rosangela Amorim /BH
www.flogao.com.br/rcdetalhes

Anônimo disse...

A melhor década de roberto carlos, ele assumiu nessa década, o papel de pai de família, e suas musicas ficaram mais ''adultas''.