quarta-feira, 7 de maio de 2008

Metalinguagem de Roberto Carlos



Olá, amigos.

Como o dicionário indica, metalinguagem serve para um autor brincar com o próprio sistema de escrita. Este recurso muitas vezes é utilizado na literatura e traz alguns exemplos também nas letras assinadas no cancioneiro da Música Popular Brasileira - seja para mostrar a maneira como o artista faz suas músicas ou para mostrar suas relações com o palco, com o público, e até mesmo com as gravadoras.

Chico Buarque, autor de tantas palavras que enobrecem nosso repertório, já falou sobre a poesia em Uma palavra, contou do artista no palco nos versos de Tempo e artista e criou uma alegoria para mostrar o "confronto" entre artista e gravadora na música A voz do dono e o dono da voz - e até em músicas feitas para a voz de outros cantores consegue fazer uma metalinguagem com o meio artístico, casos de Beatriz (feita em parceria com Edu Lobo), gravada originalmente por Milton Nascimento, e Bastidores, feita sob medida para Cauby Peixoto. Caetano Veloso foi mais literato em Língua, indo de Camões à Estação Primeira de Mangueira. E Gilberto Gil arriscou seguir o molde que achava ideal para ter um sucesso radiofônico, ao ponto de colocar em sua canção o título de Essa é pra tocar no rádio (que, curiosamente, não foi muito tocada nas rádios na época).

Roberto Carlos também traz em seu repertório momentos em que apresenta ao público sua verdade como artista. Para um compositor que em letra e música homenageou pais (Meu querido, meu velho, meu amigo e Lady Laura), filhos (Ana, As flores do jardim da nossa casa e Fim de semana), tia (Minha tia), dedicou músicas às mulheres que amou e a seus amigos (destaque para o amigo de fé e irmão camarada), também houve espaço para fazer alusões à sua estrada na Música Popular Brasileira.

A mais explícita, certamente, é Emoções, gravada em 1981, até hoje sinônimo de relatos de momentos lindos vividos e revividos a cada show. Na mesma linha, Eduardo Lages e Paulo Sérgio Valle o presentearam em 1990 com Cenário, que em letra e música fala sobre os artistas que em momentos muito alegres cantam canções muito tristes e que em momentos tristes cantam canções alegres.

Mas a obra de RC também tem espaço para citações a suas próprias canções. A própria Cenário traz um achado: a certa altura da gravação, o piano dedilha frases musicais de Emoções. Já nos versos de seu repertório, há algumas canções que chamam atenção por dialogarem com músicas anteriores.

Lançada em 1996, Comandante do seu coração relembra um tempo em que RC dizia (em seus versos assinados com Erasmo Carlos) ser do tipo que manda flores. Na segunda metade da década passada, ele dizia:

Posso ser meio antiquado
Quem sabe, não sei
Um amante à antiga
Como já falei


A referência era à música Amante à moda antiga, presente no LP de 1980. O amante à antiga retornava 16 anos depois, com a ambição de ser o comandante dos mares da emoção de seu grande amor - e recorrendo a bons momentos anteriores para sensibilizar a mulher.

Retornando ainda mais na discografia de Roberto Carlos, nota-se que um dos maiores sucessos de sua carreira também traz espaço à metalinguagem. Antes de cantar a história de O calhambeque, RC cita, por ordem de entrada em cena, as canções Susie, Parei na contramão e Splish splash:

Essa é uma das muitas histórias que acontecem comigo
Primeiro foi Susie, quando tinha lambreta
Depois, comprei um carro e parei na contramão
Tudo isso sem contar o tremendo tapa que levei com a história do Splish splash
Mas essa história também é muito interessante...


Mas seria no mesmo LP de O calhambeque - É proibido fumar, de 1964 - que RC faria sua canção mais explícita nesta alusão a obras gravadas anteriormente. Poucas pessoas conseguem perceber esta brincadeira pois a maioria das músicas citadas não foi relançada até o momento - são músicas presentes em seus primeiros compactos e também em Louco por você, seu primeiro LP lançado em 1961 e até hoje jamais apresentado em CD.

Na penúltima faixa do lado B de É proibido fumar, aparecem referências às seguintes canções:

- Malena (assinada por Rossini Pinto e Fernando Costa, lançada em compacto em 1962 e que, em 1963, rendeu a "continuação" Relembrando Malena)

- Susie (de Roberto Carlos, gravada em 1962),

- Chore por mim (presente no disco Louco por você, versão de Julio Nagib para a marcante Cry me a river, de Arthur Hamilton),

- Splish splash (versão de Erasmo Carlos para sucesso de Bobby Darin, e, ao lado de Parei na contramão, um dos grandes sucessos do LP de 1963)

- Baby, meu bem (também do LP de 1963, assinada por Hélio Justo e Tito Santos)

- Mr. Sandman (presente no disco Louco por você, de 1961, versão de Carlos Alberto para música de Pat Ballard)

- Brotinho sem juízo (música de Carlos Imperial, lançada em compacto no ano de 1960)

- Linda (original de Bill Caesar, vertida para o português por Carlos Imperial)

- Triste e abandonado (gravada em compacto lançado em 1962, assinada por Hélio Justo e Erly Muniz)

E, naturalmente, a canção que tem o título "parodiado" na música escrita por Roberto e Erasmo, que é também citada nos primeiros acordes da canção de 1964: Louco por você, versão que Carlos Imperial fez para Careful, careful, de Lee Pockriss e Paul Vance. Uma forma de mostrar que, além de revisitar tudo o que havia escrito anteriormente, Roberto contava em seu LP É proibido fumar que, àquela altura de sua carreira, louco ele não estava mais.

Segue a letra! Na foto, Roberto Carlos em foto que foi posada para a contracapa do disco que lançou em 1964.

Abraços a todos, Vinícius.

LOUCO NÃO ESTOU MAIS - Roberto e Erasmo

Louco não estou mais, Malena eu esqueci
Susie, aquela ingrata, nunca mais eu vi
Vivo chorando
E ninguém chora por mim

Meu beijo já não faz, não faz "splish splash"
Nunca mais chamei ninguém de "baby, meu bem"
Vivo chorando
E ninguém chora por mim

Até Mister Sandman me aconselhou
Roberto, tome jeito, arranje um amor
Brotinho sem juízo deixe de ser
Senão em sua vida você vai sofrer

Linda foi namoro que pouco durou
Triste e abandonado atualmente eu estou
Vivo chorando
E ninguém chora por mim

Pertinho de onde eu moro tem um broto encantador...
Linda, oh, Linda...
Mister Sandman...
Baby, meu bem...
Oh, oh, oh, Malena...
Splish, splash...

Até Mister Sandmam me aconselhou
Roberto, tome jeito, procure um amor
Brotinho sem juízo deixe de ser
Senão em sua vida você vai sofrer

Linda foi namoro que pouco durou
Triste e abandonado atualmente eu estou
Vivo chorando
E ninguém chora por mim

E ninguém chora por mim...

2 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns por sua narrativa.
As canções citadas são mesmo detalhistas.
Um forte abraço, Vinícius.
Leda Martins.

Anônimo disse...

"se eu fosse você meu amor, como alguém já falou, eu voltava, pra mim".

"ah se eu fosse você, eu voltava pra mim"

Fabiano Cavalcante