terça-feira, 13 de maio de 2008

120 anos da liberdade



Olá, amigos.

Há 120 anos, o Brasil conhecia um gesto de liberdade na nossa história. Após algumas leis que tentavam amenizar o regime escravocrata no país, a escravatura teve fim a 13 de maio de 1888.

Neste dia, a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, que permitiu que acabasse de vez o sistema de escravidão no Brasil (último país da América a extinguir este mal). Embora seja uma vitória para o povo brasileiro e para os movimentos abolicionistas que aconteciam na época, historiadores afirmam que, na verdade, a escravatura acabou simplesmente porque já não era tão rentável para a economia brasileira. Como havia as constantes fugas deles para os quilombos e até mesmo ataques aos senhores de terra, achou-se um outro "meio" de exploração de mão-de-obra barata: os imigrantes.

De acordo com dados da época, a Lei Áurea abrangeu cerca de um milhão de escravos - um número considerado pequeno, mas que se justifica não só pela criação das leis anteriores (Lei do Ventre Livre, que concedia a liberdade para todo negro que nascesse a partir daquela data, Lei dos Sexagenários, permitindo a liberdade dos escravos que completassem 65 anos, e Lei Eusébio de Queirós, que determinou a extinção do tráfico negreiro) como por doenças e também pelo alistamento de alguns negros para servir à pátria durante a Guerra do Paraguai. Além da neta de Dom Pedro II, destacam-se como defensores da abolição da escravidão o Visconde de Rio Branco (responsável pela Lei do Ventre Livre) e os líderes José do Patrocínio e André Rebouças - que se miravam no exemplo de Zumbi, que no século XVII organizou o Quilombo dos Palmares, local de forte resistência negra.

Apesar desta vitória proporcionada pela Princesa Racial, o preconceito racial ainda se manifestou (e se manifesta) por muitos anos na sociedade brasileira. Isto se reflete até mesmo na televisão brasileira. Na novela A cabana do Pai Tomás, exibida pela TV Globo entre 1969 e 1970 ocorreu um dado curioso. A trama, assinada por Hedi Maia a partir do romance de mesmo nome de Harriet Beecher Stowe, contava a história de um escravo que participava de movimentos políticos no Sul dos Estados Unidos, durante a Guerra de Secessão. Em vez de um ator negro como protagonista, a empresa patrocinadora da novela (Colgate-Palmolive) impôs a escalação do ator Sérgio Cardoso - que, por ser branco, tinha que de pintar o corpo, colocar rolhas no nariz e usar peruca.

Parece incrível, mas cerca de 15 anos depois deste "incidente", a teledramaturgia da TV Globo se viu diante de um debate em horário nobre. Exibida no horário das 20h, a novela Corpo a corpo, escrita por Gilberto Braga, abordava o racismo através do personagem Alfredo Fraga Dantas (vivido por Hugo Carvana). Ele não aceitava o romance do filho Cláudio (papel de Marcos Paulo) com Sônia (interpretada por Zezé Motta). O público rejeitou o amor entre um "branco" e uma "negra", chegando a abordar o ator Marcos Paulo nas ruas para dizer coisas agressivas. Em um dos depoimentos de espectadores, foi dito que era uma vergonha expor este "amor" em horário nobre e Marcos Paulo foi "aconselhado" por um espectador a lavar sua boca com água sanitária após as cenas em que beijava sua colega de cena.

A teledramaturgia, que é vista por muitos como um "reflexo" do retrato que o povo quer ver de seu país, costuma centralizar as tramas em personagens ricos e/ou de classe média alta - poucos fogem deste panorama, como o autor Silvio de Abreu, que em 1995 colocou um núcleo de negros bem sucedidos financeiramente na sua novela A próxima vítima. Somente no ano de 2004 houve espaço para a primeira novela que teve como trama principal um romance inter-racial e uma protagonista negra - na novela das 19h, Da cor do pecado, que trazia Taís Araújo no papel de Preta, no texto escrito por João Emanuel Carneiro.

O Jornal Nacional também demorou a dar espaço em sua bancada para um apresentador negro - desde 2004 o jornalista Heraldo Pereira apresenta esporadicamente o noticiário, ou no sábado ou nas férias do casal de apresentadores William Bonner e Fátima Bernardes. Na música, a democracia, felizmente é maior e traz bons momentos para a Música Popular Brasileira - de Ataulfo Alves, Ismael Silva, Cartola e Agostinho dos Santos, passando por Tim Maia e Paulinho da Viola até chegar a nomes como Seu Jorge e Luiz Melodia.

Tim Maia, Erasmo Carlos e Roberto Carlos foram os responsáveis por trazer para o país o ritmo do soul - definido também como a música black americana - a partir do fim da década de 1960. Era aberta mais uma porta de um estilo de música fantástico para o cancioneiro mundial, e que deu margem a uma canção emblemática para tentar erradicar o preconceito racial - Black is beautiful, escrita por Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle e lançada por Elis Regina em seu LP Ela, de 1971.

Roberto Carlos também dedicou espaço a falar sobre diferença racial. Em seu LP de 1972, RC falou a partir dos versos de Maurício Duboc e Carlos Colla para a música Negra:


Ah! Quem dera eu esquecer
Da minha cor tão branca
E me perder nessa ilusão tão pura, nessa ilusão tão meiga
Nessa ilusão tão negra



Em seu LP de 1986, foi a vez de Roberto e Erasmo citarem uma negra, na primeira canção do lado B do disco. Com Nêga, a dupla mostrou a história de um "iniciante no samba" com uma neguinha irresistível:


Eu fui ver o samba lá no morro
Ela apareceu, enlouqueci
Quando ela sambou pedi socorro
Quando ela sorriu eu descobri: tô na dela, gosto dela

Nêga
A tristeza logo passa
Chega
Vem correndo, vem, me abraça...



No dia em que o Brasil recorda os 120 anos da Lei Áurea, que assinou a liberdade e o fim de um regime separatista de raças, este blogue encerra seu post com uma canção de Roberto e Erasmo que evidencia uma certeza sempre a ser lembrada: a de que, independente de raça, credo ou ideologia, todo mundo é alguém. Assim como diz a música presente no LP que Roberto Carlos lançou em 1988 (coincidentemente, ano em que se comemorou os 100 anos da Abolição da Escravatura).

Segue a letra! Na foto, a contracapa do disco de Roberto Carlos lançado no fim de 1988.

Abraços a todos, Vinícius.

TODO MUNDO É ALGUÉM - Roberto e Erasmo

Somos uma multidão de iguais
Semelhantes sonhos, ilusões
Direções diversas na conquista
Dos ideais, universais

Não se escreve o nome de um homem
Em tudo o que ele faz
Mas onde ele põe suas mãos
Estão as digitais

Não importa qual a cor do homem
Como ele se veste, de onde vem
Dentro de um castelo ou de um barraco
Ele é alguém com o que tem

É guerreiro nessa disputa
E onde ele estiver
O respeito por sua luta
É tudo o que ele quer

Debaixo desse céu
Sob a luz do mesmo sol
Todo mundo é alguém

Quem é quem?
Quem é quem?
Nesse mundo
Todo mundo é alguém

Quem é quem?
Quem é quem?
Nesse mundo
Todo mundo é alguém

Da semente ao trigo quantos são
Pra fazer chegar à mesa o pão
Do barro até o topo de um arranha-céu
Quantos estão nessa missão

Todo ser humano é importante
Naquilo que ele faz
Às vezes por caminhos distantes
Mas todos são iguais

Por isso
Quem é quem
Se aos olhos de Deus
Todo mundo é alguém

Quem é quem?
Quem é quem
Nesse mundo
Todo mundo é alguém

Quem é quem?
Quem é quem?
Nesse mundo
Todo mundo é alguém...

2 comentários:

Anônimo disse...

Vinícius,

Excelente texto! Muito bom mesmo, você está cada vez melhor e os temas são muito pertinentes! É incrível como depois de tanto tempo ainda exista esse preconceito burro contra os negros!

Vale ressaltar que o rei fez o samba Nêga, um dos mais gostosos de se ouvir, e que foi muito sucesso no mundo hispânico como Piel Canela. Tomara que um dia ele volte a cantar essa canção!

Blog Música do Brasil
www.everaldofarias.blogspot.com

Um forte abraço!

Anônimo disse...

Parabéns pelo texto! E preconceito não está com nada!
Um forte abraço,
Leda Martins.