quinta-feira, 7 de maio de 2009

50 anos de emoções - 1968



Olá, amigos.

Em mais um post da série 50 anos de emoções, este blogue chega hoje a aquele que é definido pelo escritor Zuenir Ventura como "o ano que não terminou". Hoje é a vez de 1968.

Este ano foi um marco negativo para todas as tentativas de paz no mundo. A começar pelo assassinato de Martin Luther King, morto pela ignorância dos que eram favoráveis à permanência da segregação racial. A ignorância norte-americana continuava em outro território - o Vietnã - com a guerra chegando ao seu décimo ano de conflitos, desta vez tendo como palco o território de Saigon.

Seguindo o estigma de outro parente, Robert Kennedy foi assassinado em um atentado na Califórnia. Os Estados Unidos trariam uma luz no fim do túnel da barbárie através de um grupo de estudantes, que se mobilizou pedindo o fim da invasão americana em território vietnamita. Infelizmente, a tentativa foi em vão, ao menos em 1968.

Enquanto a política vivia os intensos impactos da Guerra Fria, o cinema americano apresentava ao mundo um dos ícones de sua história cinematográfica. O futuro chegou às telas, através de 2001 - A odisseia do espaço, obra-prima de Stanley Kubrick.

No Brasil, o futebol brasileiro perdeu uma chance de conquistar a América do Sul e tentar ser o melhor no confronto contra os europeus. O Palmeiras chegou à final da Taça Libertadores da América, mas não resistiu diante do argentino Estudiantes. Após uma derrota por 2 a 1 e uma vitória por 3 a 1, no jogo de desempate pelo título, os palmeirenses foram novamente derrotados, pelo placar de 2 a 0.

A Ditadura Militar já vivia em compasso de espera para escancarar seu patrulhamento em todo o território nacional, e em 1968 começou a apresentar sua verdadeira face. Tudo começou no dia 28 de março, quando o estudante de 16 anos, Edson Luiz de Lima Souto, foi assassinado no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro. Depois foi comprovado que o rapaz não tinha nenhuma participação em luta armada.

O incidente gerou a Passeata dos Cem Mil, no Rio de Janeiro, e ecoou até a esfera do poder ditatorial. No dia 3 de setembro, o deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, fez um discurso com fortes palavras de oposição, e seus direitos políticos foram sumariamente cassados.

O golpe final veio em 13 de dezembro de 1968. O presidente Artur da Costa e Silva decretou o Ato Institucional Número 5 (AI-5), dando plenos poderes ao presidente para decretar estado de sítio ou fechar o Congresso, além do governo poder intervir em estados e municípios. Foram suspensos os habeas corpus para pessoas que eram acusadas de crimes políticos, além da censura prévia ser imposta no país.

Neste contexto, a Música Popular Brasileira se sobressaiu como defensora de toda uma sociedade civil, expondo através de metáforas ou de canções de protesto suas divergências com o regime. Em 1968, um protesto ganhou as ruas da nação. No III Festival Internacional da Canção, Geraldo Vandré apresentou em Pra não dizer que não falei das flores um panorama no qual, mesmo diante de soldados, as pessoas caminhavam e cantavam e seguindo a canção. A mobilização para todos irem embora pois "quem sabe faz a hora não espera acontecer" ganhou a comoção do público e as ruas, e custou a Geraldo sua prisão e uma forte repressão. Tanto que hoje, com outro nome e com outra carreira, ele jamais aceitou falar de seu período como compositor.

O apoio a Pra não dizer que não falei das flores foi tanto que quando a belíssima Sabiá, de Tom Jobim e Chico Buarque, foi anunciada em primeiro lugar, a canção interpretada por Cynara e Cybele foi extremamente vaiada. Poucos perceberam que a doce música falava sobre exilados políticos.

Roberto Carlos também apareceu em festivais. Primeiro em fevereiro de 1968, na cidade italiana de San Remo. Lá, em fevereiro, ele aportou para cantar uma música assinada por dois Sergios, Endrigo e Bardotti, num cenário bem disputado nas terras italianas.

Das 23 canções apresentadas inicialmente no festival, 14 delas chegaram a finalistas do prêmio de San Remo, mas apenas as três mais votadas receberiam a premiação dos jurados. O apresentador Pippo Baudo (que fez as honras do festival ao lado de Luisa Rivelli) anunciou os premiados. Com o terceiro lugar, ficou Canzone, de Don Backy e Mariano e defendida por Adriano Celentano e Milva (e 251 votos dos jurados). Em segundo lugar, veio Casa Bianca, de Don Backy e La Valle, interpretada por Ornella Vanoni e Marisa Sannia (que recebeu 255 votos do júri).

E em primeiro lugar, com 306 votos, de Bardotti e Endrigo... CANZONE PER TE! No microfone do festival, RC falou em português sobre a emoção que sentia naquele 3 de fevereiro:

"Eu quero dizer a todos os brasileiros que neste momento estou realmente muito feliz, muito contente, e não sei nem mesmo o que dizer dada a emoção que eu estou nesse momento".

Um dado curioso: antes de partir para a Itália, Roberto deixou em compacto uma gravação de Canzone per te. Quando chegou em terras italianas, Endrigo e Bardotti fizeram alterações na letra, e RC teve de cantar com a letra escrita em sua mão, para o caso de esquecê-la. No disquinho que tem esta gravação, aparece no lado B a canção L'ultima cosa, que nunca mais foi lançada novamente em sua discografia.

Ele diria, cerca de 20 anos depois, durante o show Detalhes, em um número bem curioso, no qual ele apresentava uma música associada à roupa que ele vestia no palco. Sobre o paletó de babados que vestiu em San Remo, RC disse:

"Com essa roupa aqui eu vivi uma das maiores emoções de toda minha vida. Me lembro quando eu cheguei em San Remo, e tremia no aeroporto. Cheguei no hotel, e tremia mais. Então abri a mala, peguei essa roupa. Mas eu tremia tanto que essas bolinhas caíram todas no chão! Tive de catar tudo rapidamente, porque logo em seguida tinha o primeiro ensaio, e logo a primeira apresentação da noite". Embora durante suas apresentações do show, Roberto volta e meia se atrapalhasse com aquele paletó cheio de babados, de uma coisa não esqueceu: "E foi assim que naquela noite, com Sergio Endrigo, vivi aquela emoção toda".

Nelson Motta contou sobre sua reação quando soube da consagração de RC em San Remo:

"Numa bela manhã do verão de 1968, acordei com uma notícia maravilhosa: Roberto Carlos tinha vencido o famoso Festival de San Remo, cantando uma bela balada de Sergio Endrigo em impecável italiano. Que orgulho! Foi como ganhar uma Copa do Mundo de Música. Cantando com grande sentimento em dueto com Endrigo, o Rei da Jovem Guarda levantou o público e o júri e conquistou inédita vitória para nossas cores. E sons. (...) Roberto saiu consagrado do festival, virou estrela consagrada na Itália, começou a se tornar conhecido na Europa, ficou maior do que a Jovem Guarda e o Fino da Bossa de Elis Regina, juntos".

Mais do que uma vitória para o artista Roberto Carlos e para a música brasileira, há 40 anos esta conquista do Festival de San Remo confirmou uma verdade que persiste até os dias de hoje. De que Roberto Carlos tem versatilidade para cantar todos os estilos sobre os quais sua voz quiser se deitar, não se restringindo somente ao "iê-iê-iê-" que na época agonizava diante da superexposição da mídia que outrora havia sido benéfica para a ascensão dos brotos da Jovem Guarda. Após San Remo, Roberto ousaria tomar novos rumos, se mostraria inimitável e partiria por novos ritmos e novas canções, para o deleite de seu público. Coisas que, felizmente, seriam maiores do que o fim do programa Jovem Guarda, que saiu do ar definitivamente em 1968 mas continua sendo revivido a cada canção.

Ele experimentaria um novo ritmo, agora em um festival brasileiro. No IV Festival da Música Popular Brasileira, Roberto Carlos surpreendeu a todos apresentando ao público uma música de Renato Teixeira e Beto Ruschel - Madrasta. Ela não seria classificada no final, e os vencedores seriam premiados pela primeira vez em júri popular júri especial. O júri especial consagrou São, São Paulo, de Tom Zé, mas que ficou em quinto lugar no júri popular. O júri popular premiou Bemvinda, linda canção de Chico Buarque. Em segundo lugar nos dois júris, ficou Memórias de Marta Saré, assinada por Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri e interpretada por Edu Lobo e Marília Medalha. O júri especial premiou com a terceira colocação a música Divino maravilhoso (de Caetano Veloso e Gilberto Gil, na voz de Gal Costa) e, em quarto, Dois mil e um (de Rita Lee e Tom Zé, com Os Mutantes).

A intimista Madrasta encerraria seu LP de 1968. Mas esta não seria a única surpresa para os ouvintes neste O inimitável, que trouxe as seguintes canções:

LADO A

1 - E não vou mais deixar você tão só, de Antônio Marcos

2 - Ninguém vai tirar você de mim, de Édson Ribeiro e Hélio Justo

3 - Se você pensa, Roberto Carlos e Erasmo Carlos

4 - É meu, é meu, é meu, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos

5 - Quase fui lhe procurar, de Getúlio Côrtes

6 - Eu te amo, te amo, te amo, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos

LADO B

1 - As canções que você fez pra mim, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos

2 - Nem mesmo você, de Helena dos Santos

3 - Ciúme de você, de Luiz Ayrão

4 - Não há dinheiro que pague, de Renato Barros

5 - O tempo vai apagar, de Paulo César Barros e Getúlio Côrtes

6 - Madrasta, de Renato Teixeira e Bato Ruschel

Roberto Carlos apresentou seu inimitável estilo de ser todos os estilos de música. O romantismo de E não vou mais deixar você tão só e Ninguém vai tirar você de mim, passando pela dor-de-cotovelo de Não há dinheiro que pague, O tempo vai apagar e Quase fui lhe procurar, as declarações de amor exaltadas de Eu te amo, te amo, te amo e quase infantis como em É meu, é meu, é meu, a doce balada As canções que você fez pra mim, as raivosas Nem mesmo você e Ciúme de você, a introspecção de Madrasta.

E também na vertente do soul music, que Roberto Carlos ajudou a trazer para o Brasil e ainda ficaria em seus discos nos próximos anos. Afinal, bom sempre foi ser feliz e mais nada. Como diz a canção de Roberto e Erasmo em O inimitável.

Segue a letra! Na foto, Roberto Carlos experimentando um visual mais psicodélico nesta reta final dos incríveis anos 60.

Abraços a todos, Vinícius.

SE VOCÊ PENSA - Roberto e Erasmo

Se você pensa que vai fazer de mim
O que faz com todo mundo que te ama
Acho bom saber que pra ficar comigo
Vai ter que mudar...

Daqui pra frente
Tudo vai ser diferente
Você tem que aprender a ser gente
O seu orgulho não vale nada, nada...

Você tem a vida inteira pra viver
E saber o que é bom e o que é ruim
É melhor pensar depressa e escolher
Antes do fim

Você não sabe
E nunca procurou saber
Que quando a gente ama pra valer
Bom mesmo é ser feliz e mais nada, nada

Nada, nada...

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