
Olá, amigos.
Roberto Carlos e Caetano Veloso: É, SÓ TINHA DE SER COM VOCÊS.
As emoções das estradas desses dois ícones da Música Popular Brasileira aterraram ontem no Rio de Janeiro, terra do Galeão, de Ipanema e do Corcovado tão cantados por este artista que pintou os vários tons do Rio de Janeiro. Só que as atenções musicais deste 22 de agosto que entrou para o registro musical do país se direcionaram para uma casa de espetáculos: o Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
Em meio às festas pelos 50 anos da Bossa Nova, esse movimento que fez um país inteiro aprender a ser desafinado, foi promovido o encontro entre Roberto Carlos e Caetano Veloso para apresentarem seus pontos de vista sobre a obra de Antônio Carlos Jobim, o maestro soberano de tantos serviços prestados à nossa música. E o caminho de pedra até a chegada definitiva ao local do show devia ser seguido à risca.
Do táxi tomado em Copacabana (por precaução de não pegar o metrô até lá, vai que um cambista mais ousado me assalta ao me ver mais engomadinho rumo ao teatro), passando pelo trânsito de sexta-feira que cruzou a cidade do Rio de Janeiro até a frente do Municipal, foram cerca de 20 minutos. Eram 20h quando abriram as portas do local. Ao chegar no salão, pensei: "sim, vou ver o show".
Feito um Mazzaroppi na cidade grande, passei o tempo todo andando e olhando pra cima, pros lados, conhecendo cada detalhe de um teatro tão monumental que eu no máximo tinha visto na TV. Só que era pra ver duas pessoas que eu já conhecia de muitos, outros carnavais e cinzas. Como era de se esperar, o show marcado pras 21h, mas esta foi a hora usada pro público adentrar no recinto.
Burbúrios, rumores, cumprimentos entre as pessoas de todas as histórias, que de todas as maneiras conseguiram estar lá naquele lugar tão disputado via bilheteria, Internet e telefone. Curiosamente, não demorou mais do que meia hora para chegar o terceiro sinal. Antecedido por Nelson Motta, que falou sobre a iniciativa do Itaú Brasil em propor este encontro, este feito para a história da nossa música. Depois as luzes se apagaram, e Nelson tentou ir para um dos cantos do teatro, mas descobriu que por onde ia sair não tinha saída. Até alguém ajudá-lo com uma lanterna, demoraram alguns instantes, mas nada que atrapalhasse o que iria acontecer.
Com o pano fechado, veio um registro musical no qual Tom cantava descontraidamente falando de seus amigos João Gilberto e Vinícius de Moraes. E logo em seguida da gravação terminada, o pano abriu e ganhamos a imagem de Caetano e Roberto lado a lado, ambos sentados em banquinhos e apresentando pra nós a
Garota de Ipanema que Tom e Vinícius trouxeram aos olhares do mundo.
Começava a bossa de Caetano e Roberto, num cenário que trazia ao fundo uma foto de Tom quando era jovem, olhando, zelando por aqueles artistas que tinham influência dele e da Bossa Nova, e agora voltavam ao ponto de partida de sua trajetória para dizerem da onda que se ergueu no mar. Sim,
Wave foi a segunda música, na noite das estrelas com as quais contamos ontem para relembrar Tom Jobim.
Em seguida, os dois deixaram a orquestra de Jacques Morelembaum acompanhada de Daniel Jobim, a presença "jobiniana" na noite. Num momento de retorno às raízes da família, o neto de Tom deu voz às
Águas de março, que trouxeram promessa de vida para os corações das 2.300 pessoas que estavam lá.
Caetano retornou ao palco, relendo Tom através de uma peculiaridade que faz parte de ambos os repertórios: o intimismo. No ar introspectivo do baiano, vieram seus pontos de vista para
Por toda minha vida,
Meditação e
Inútil paisagem. Mas entre os tantos intimismos, Caetano nos reservou uma suave interpretação para
Ela é carioca, uma das muitas mulheres que passaram pelos versos de Tom. Nos dois últimos números de sua parte, vieram os ápices de sua interpretação.
Primeiro, ao resgatar do LP
Canção do amor demais (lançado por Elizeth Cardoso e considerado por muitos o "marco zero" da Bossa Nova) a forte
Caminho de pedra, recriada num arranjo divino, tão divino quanto a "divina" Elizeth e quanto a música permite e pede. Depois de fascinar a platéia com esta música menos conhecida, ele encerra sua participação com
O que tinha de ser - que, apesar da mudança de sexo da gravação mais conhecida ("porque já eras meu (...) porque és o meu homem e eu tua mulher" viraram "porque já eras minha (...) porque sou o teu homem e tu minha mulher), mostrando que esta maravilha foi, de fato, escrita para os irmãos Viana Teles Veloso cantarem.
Num momento instrumental brasileiro, veio
Surfboard, na competente feitura de Jacques Morelembaum e tendo espaço para a orquestra formada por cordas, banda e por Daniel Jobim. Depois, desceu um telão e apareceu a imagem de Tom jovem, dedilhando ao piano, ao som de
Estrada do sol. Enquanto isso, nos bastidores, se via (apesar da pouca luz) a mudança dos músicos. Era a senha para o retorno de Roberto Carlos ao palco. Ao finzinho da apresentação do telão, já se podia ver o foco trazendo RC vestido de azul, de novo indo cantar músicas do artista feito de azul.
Sobe o telão. Roberto rapidamente falou sobre o "atrevimento" que em 1997 o fez colocar sua marca em uma canção de Tom e Vinícius. E sua parte teve início com a
Insensatez em castelhano. As caras mudaram nas posições da banda (entraram Wanderley no piano, Dedé na percussão, Norival na bateria, Darcio no baixo, Paulinho na guitarra e Eduardo Lages agora era o maestro). A insensatez que em qualquer idioma tem a sua poesia agora chegava aos palcos.
Tom apareceu mais uma vez no segundo número "solo" de Roberto. No telão, ele tocou
Lígia, e apareceu o primeiro trecho do encontro dos dois gravado para o
Roberto Carlos Especial de 1978, presente no disco e no DVD
Duetos. Da segunda estrofe em diante, Roberto cantou sozinho as desilusões da mulher que deu título a esta canção.
As canções do amor demais da safra de Tom Jobim tiveram espaço para outra compositora na voz de RC. Era Dolores Duran, com toda a ânsia amorosa que suas letras trouxeram para a discografia brasileira. E o Roberto, que décadas atrás contou e cantou sobre as flores do jardim da nossa casa, agora dedicava sua voz às flores da janela que sorriam e cantavam, nos versos de
Por causa de você.
E o capixaba que adotou o Rio de Janeiro como uma de suas cidades do coração trouxe para o Municipal suas versões para os cartões postais desta Cidade Maravilhosa. Num arranjo fenomenal feito pelo maestro Eduardo Lages (que estava também ao piano neste momento) veio o cantinho e o violão de
Corcovado - para este que vos escreve e que tem o privilégio de ver o Redentor pela janela, agora tenho uma nova visão da beleza do Corcovado. Não satisfeito com a beleza do primeiro arranjo, o maestro ainda faz a proeza de emendar com
Samba do avião, para o cantor que interpreta com a alma cantar através da letra de Tom como é ver o Rio de Janeiro, com o Cristo de braços abertos sobre a Guanabara enquanto o avião aterra no Galeão.
A parte de RC encerrou com
Eu sei que vou te amar. Esta canção definitiva que Tom e Vinícius fizeram para todos os apaixonados que têm tanto para falar e com palavras não sabem dizer. E não só o momento lindo teve a bela interpretação de RC como o apresentou declamando o
Soneto da fidelidade durante a parte instrumental - recordando não só uma das gravações, que trouxe o Vinícius lendo este poema, como também trazendo Roberto declamando ótimo texto (em números típicos de seus grandes shows).
Roberto chamou Caetano de volta, e os dois cantaram mais uma mulher de Tom. No jeito maroto que só Roberto Carlos sabe colocar nas suas interpretações, ele disse: "Caetano, arranjei um amor no Leblon...". E a
Tereza da praia gravada originalmente por Dick Farney e Lúcio Alves renasceu na voz de grandes discípulos da bossa de Tom Jobim.
Veio a reta final do show. Os dois cantaram
Chega de saudade, mas a saudade já ia chegando com o iminente fim daquele show histórico, daquela apresentação impecável de dois grandes artistas se curvando diante da maestria de Tom Jobim. Veio
A felicidade, aquela que diz que "tristeza não tem fim, felicidade sim". Um paradoxo (ao menos para este que vos escreve) estes versos, afinal, felicidades como esta jamais acabam.
Fechou o pano, em meio ao coro de aplausos de 2.300 felizardos que conseguiram o privilégio de estar lá na noite de ontem. Aos poucos surgiram os pedidos de "bis", devidamente atendidos para uma música que, segundo o Roberto, eles cantariam diretamente para o Tom.
Se todos fossem iguais a você na voz de dois cantores que fazem existir a verdade, a verdade de que a boa Música Popular Brasileira se renova a cada encontro como o que acontecera neste 22 de agosto de 2008.
A emoção era tanta que os dois voltaram para mais um bis. E
Chega de saudade foi a escolhida pela segunda vez, desta vez amparada pelo coro que cantava a vontade de que aquele momento não se tornasse mais uma boa saudade.
Mas felicidade, sim, tinha fim até nos palcos. O show já terminava, e todos nós voltávamos à realidade. Este que vos escreve ficou mais um pouco, não com esperança de falar com o Roberto (tarefa tranqüila apenas para quem tem pulseira azul, não fitinha azul do Senhor do Bonfim como o meu pulso tem). Eu precisava dar um abraço no maestro que tenho a felicidade de conhecer e de acompanhar tanto como maestro de Roberto Carlos quanto como o pianista, arranjador e produtor Eduardo Lages.
Depois de algumas informações, descobri que os músicos saíam pelos fundos do Municipal. Esbaforido, fui para lá, e todo ansioso perguntei a um sujeito que, pelas roupas, era cover de Roberto Carlos: "vem cá, o Eduardo já foi embora?". Ele respondeu, espantado: "Que Eduardo?". Eu respondi: "O Eduardo Lages, porra! Você é cover do Roberto e não conhece os músicos do cara, bicho?". Mais surreal que esta conversa, foi ver os repórteres Vesgo e Wellington Muniz (o imitador do Silvio Santos) do programa
Pânico da TV vestidos de terno branco e camisa azul clara - e o Wellington ainda usando uma peruca com cabelo parecido com o de Roberto Carlos.
Desceu o Eduardo, com sua esposa Mércia. Logo que os cumprimentei, ele perguntou: "Vinícius, vem cá, é seu aniversário?". Eu disse que, sim, depois da meia-noite seria, pois o aniversário é dia 23. O primeiro abraço pelos meus 25 anos veio das mãos de um maestro - do maestro Eduardo Lages, responsável pela trilha de muitos dos tantos anos que tenho de vida. Em seguida, recebi o carinho da Mércia, essa mulher tão simpática que tive o prazer de conhecer graças à família Lages.
Conseguimos um táxi, e fomos do Municipal a Copacabana conversando - sobre o show de ontem, sobre o disco dele que está prestes a ser lançado... Os dois me deixaram na porta de casa, e eles iam a Ipanema, para a casa de Caetano Veloso, para saber as fofocas da apresentação do Municipal.
Certamente, teriam somente coisas positivas por receber e por dizer. Das muitas emoções vividas nas águas de março que chegaram ao final de agosto - e em tempo do meu aniversário. Este que vos escreve gostaria de dizer mais coisas, mas com palavras só sabe exclamar:
É UMA BOSSA, MORA!E, ansiando para que estes momentos não se tornem mera saudade, o post de hoje encerra com a canção que foi interpretada duas vezes no show de ontem. Afinal, chega de saudade, pois Tom Jobim sempre deve ser reverenciado - ainda mais em momentos como o de ontem.
Segue a letra! Na foto, um registro modesto feito por este que vos escreve.
Abraços a todos, Vinícius.
CHEGA DE SAUDADE - Tom e Vinícius
Vai minha tristeza,
E diz a ela que
Sem ela não pode ser
Diz-lhe, numa prece
Que ela regresse
Porque eu não posso
Mais sofrer
Chega de saudade
a realidade é que
Sem ela não há paz
não há beleza
É só tristeza
E a melancolia que não sai de mim
Não sai de mim, não sai
Mas se ela voltar, se ela voltar,
Que coisa linda, que coisa louca
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos que eu darei na sua boca
Dentro dos meus braços
Os abraços hão de ser milhões de abraços
Apertado assim, colado assim, calado assim
Abraços e beijinhos, e carinhos sem ter fim
Que é pra acabar com esse negócio
De você viver sem mim
Não quero mais esse negócio
De você longe de mim...