quinta-feira, 10 de março de 2011

Apesar do velho tênis...




Quando a chuva fina começou a cair durante o morno desfile da Mocidade, confesso que minha única preocupação além de proteger os óculos dos pingos foi: "o desfile vai comprometer muito a passagem da Beija-Flor na avenida?". Eu, na arquibancada "pra sentir mais emoção" (como cantou um samba interpretado por Neguinho), estava acompanhado da minha tia, os dois fascinados por ver de perto o tanto de beleza das escolas de samba do meu Rio de Janeiro de coração. Apesar de não ser de Cachoeiro, sou também um capixaba que veio pra cá - mas não pretende voltar.

Na evolução das horas, já tinha visto a União da Ilha, uma das sobreviventes do triste incêndio nos barracões, e que viveu para contar a história de Charles Darwin. Vi um Salgueiro que fez do sambódromo uma coisa de cinema, digna dos aplausos ao final da sessão - e sorri quando, em meio à homenagem ao Rio no cinema, a escola citou Roberto Carlos, mostrando capas do LP de 1979 e do disco "Roberto Carlos canta para a juventude" nas paredes do carro do Cabaret de Madame Satã. Filme sucesso de público, mas fracasso de crítica pelo atraso que seu desfile teve por problema em um dos carros alegóricos.

"Visibilidade distorcida" e a chuva ficava mais grossa, e valorizava ainda mais a superação da Grande Rio - que antes de chover no dia do desfile, foi a maior vítima do incêndio no início de ano. O caldeirão das arquibancadas fervia, como recompensa à bela homenagem para Florianópolis. Uma das minhas expectativas cessou logo que a escola de Duque de Caxias saiu de cena. Aliviado, sorri feito uma criança com o universo encantado da Porto da Pedra, em homenagem à escritora Maria Clara Machado.

"Você vai ver, tudo vai passar". Todas passaram, e eu não via a hora dele chegar. Literalmente, depois que Jorge Perlingeiro anunciou que jogariam serragem na avenida para evitar que o óleo jogado por um dos carros da Porto da Pedra atrapalhasse a passagem da Beija-Flor. E assim como nos shows de Roberto Carlos, sua passagem pela Marquês de Sapucaí também entrava em suspense da hora dele chegar no palco.

"Só vejo a hora de você chegar". Mas em vez do maestro Eduardo Lages, com sua abertura instrumental, a chegada veio na voz de Jorge Perlingeiro, que anunciou "a Beija-Flor de Nilópolis traz para a avenida o enredo A simplicidade de um rei, contando a história de Roberto Carlos, o maior cantor popular do Brasil".

"Janelas e portas vão se abrir pra ver você chegar". Bandeirinhas com o nome da Beija-Flor e o tema para 2011 eram tremuladas. Mulheres tinham rosas vermelhas feitas de plástico em suas mãos. E Neguinho da Beija-Flor cantava "Meu Beija-Flor, chegou a hora de botar pra fora a felicidade / A alegria de falar do Rei e mostrar pro mundo essa simplicidade...".

"Estrelas mudam de lugar...", e saíam de cena para dar espaço à estrela do novo espetáculo carnavalesco. E o azul e o branco, as duas cores favoritas de Roberto Carlos, não apareciam apenas na bandeira da Beija-Flor. Elas tomavam conta do céu do Rio de Janeiro, para iluminar uma história da escola, que contava de um mundo nem um pouco distante do povo.

"Mas com palavras não sei dizer...". 70 anos de vida, mais de meio século de carreira. Não seria um samba-enredo capaz de sintetizar por completo tantas décadas de Roberto Carlos. A responsabilidade ia para a avenida, com suas alas, seus carros, fantasias, alegorias e adereços. Na recriação de uma realidade que hoje tem mais de um milhão de amigos.

"Das lembranças que eu trago na vida...". Na luz do Rei menino que vinha na comissão de frente encantado com o que saía de dentro do rádio, da arquibancada eu via as várias sintonias nas quais aprendi a passear pela obra de Roberto Carlos. E em mim vinha a saudade de, ainda por volta de um ano, ver e rever pela primeira vez a imagem dele, na boleia do caminhão dizendo "eu sei, vou correndo ao encontro dela".

E eu ia ao encontro da Beija-Flor, com o coração disparado, mas andando minha vista com cuidado, para tentar ver os detalhes tão pequenos de cada ala que se transformavam nas coisas tão grandes (e pra não esquecer). Tudo tão bem costurado que parecia feito sob medida para a escola pelas mãos da costureira Lady Laura. E tantos componentes, tantos carros passando depressa (parecendo um relógio bem consertado pelo querido, velho e amigo Robertino), mas deixando em mim um rastro fascinante de vida e obra de RC.

A avenida da Marquês de Sapucaí não tinha curvas. Só que a obra de Roberto Carlos rodopiava na avenida, nos passos do mestre-sala Claudinho e da porta-bandeira Selmynha Sorriso ou no compasso da bateria que vinha representada pela doce Raíssa.

"Quero que você me aqueça...", provavelmente dizia o LP sobre o qual Erasmo Carlos estava sambando. E Wanderléa sambava para lá e para cá, com toda ternura marcada pelo papo firme que gerou a amizade até hoje jovial do trio da Jovem Guarda. Do chão, a comunidade estava alheia a parar na contramão, e ia voando pela vida, querendo chegar ao seu melhor.

"Tô correndo ao encontro dela...". Dos sertões, de caminhão, reverenciado pela safra da música sertaneja, Roberto Carlos esticava o caminho até a Amazônia, revendo a natureza com o amor ecológico que ele sempre pediu.

"Eu te proponho...", e elas, as cantoras do Elas cantam Roberto aceitaram homenageá-lo. Tão apaixonadas quanto as que estavam nas arquibancadas quanto as que estavam vendo pela televisão. E os botões das rosas atiradas por RC receberam o beijo da Beija - Beija-Flor de Nilópolis.

"Ser o comandante do seu coração...". Ele pediu, e eu aceitei. Desde menino, ele comanda meu coração, e navego no barco de suas canções, que me fazem sorrir, chorar, orar, e tentar, nas minhas palavras de escritor, chegar perto de tanto amor.

Na bênção do dia claro, não pedi o café da manhã. Pedi para Roberto Carlos chegar à sua festa. E o anfitrião chegou. Sob os olhos de Jesus Cristo (sim, apesar dos cabelos grisalhos e das asas de anjo, Ele estava lá), Roberto acenava para a multidão, com os olhos marejados, em paz com a vida e com mais uma alegria que ela estava proporcionando para este coração que é como um palco.

Captei na máquina o último aceno que pude ver. Uma amiga disse que o "tchau" foi pra mim. Vi a escola se aproximar da dispersão, mas, apesar da movimentação das pessoas saindo da arquibancada, insisti com minha tia pra ficar até o último grito de Neguinho da Beija-Flor.

"Só me resta agora dizer adeus, e depois o meu caminho seguir". Caminho do Setor 7 até a lonjura da estação de metrô da Central do Brasil. Quando sentei num banquinho do vagão, percebi o quanto minhas pernas estavam moídas pelo cansaço e também pela água acumulada no meu velho tênis - que provavelmente seja aposentado depois do aguaceiro pelo qual passou.

As lágrimas azuis e meu emblemático gesto de tirar o chapéu panamá ao ver Roberto Carlos olhando na direção da arquibancada em que eu estava trouxeram, no meio de tudo, um pouco da alegoria que foi para mim aquela emoção. Eu me perdi na madrugada de carnaval para te reencontrar - como sempre dou um jeito de te reencontrar quando você passa pelo Rio de Janeiro.

Apesar do velho tênis, te digo mais uma vez: QUE PRAZER REVER VOCÊ!

Obrigado, Beija-Flor, por tudo. Em especial por ter compartilhado comigo da alegria de falar do Rei e de mostrar pro mundo esta simplicidade.

10 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns Vinícius! Fiquei emocionada! Nosso Rei Roberto Carlos é um homem iluminado.
Beijos,
Leda Martins.

Anônimo disse...

Falar do Rei é falar e sentir amor eterno I LOVE YOU ROBERTO

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Ola! Vinícius!

Acabo de chegar de viagem e certifiquei-me de que o momento, conforme imaginei, poderia fechar com chave de ouro.

E assim foi!

Foi muita emoção ver o Roberto feliz como estava.

Afinal, até o passado tornou-se-me sobremodo emocionante.

Assiti, em preto e branco, aquelas " Jovens Tardes de Domingo".

Em seu texto, imaginei-me no mesmo local em que você estava, inclusive no metrô, "cansado", "apesar do velho tênis", mas feliz com o passar da madrugada.

Todos estão de parabéns pelo sucesso desta homenagem.

Que Deus ilumine a vida do nosso querido Rei!

Parabéns pela brilhante matéria.

Abraços Robertocarlístico!

Everaldo Farias disse...

Vina,

seu texto foi tão emocionante quanto o sentimento que todo brasileiro que, mesmo não estando lá, sentiu na pele. É como se estivéssemos todos de pé, esperando o rei passar. Todos em sonho e você em realidade, representando nosso sonhos!

Parabéns por isso!

Blog Música do Brasil
www.everaldofarias.blogspot.com

Um forte abraço!

amanda disse...

Lindo vinicios,voce falou de maneira sensivel da grandeza e da importancia do Rei para a nossa historia musical.Roberto e sem duvida nenhuma o maior cantor do Brasil de todos os tempos.sou muito jovem,mas sei reconhecer oseu valor.Alem do mais ele é o charme em pessoa ,jeitinho de menino carente,parece tá´pedindo colo.me amarro no coroa.Amanda

C. Marley disse...

Nobre colega Vinicius,

Estavamos lado a lado. Eu no setor 9 e você no 7, vivendo esse momento lindo, apesar da chuva que caiu forte.

As minhas impressões estão postada no portal Clube do Rei com o título "Da entrada apoteótica a apoteose".

Um grande abraço

James Lima disse...

Meu amigo Vinícius!

Muito emocionante o texto. Adorei mesmo! Imagino a emoção que você sentiu...

E tenha certeza que o Roberto não comanda só o seu coração, mas os de todos nós, viu? kkk'

Abração
James Lima
www.robertocarlosbraga.com.br

Carmen Augusta disse...

Olá Vini querido!

Que maravilha!
Como gostaria de ter estado lá com vocês, para sentir também essas emoções ao vivo e nas cores azul e branco.
Nosso Roberto mereceu essa homenagem, e a Beija-Flor esse prêmio.

Seu texto está de uma beleza emocionante!
Parabéns!

Beijos da amiga,
Carmen Augusta

Armindo Guimarães disse...

Olá, Vina!

Belo texto.

Impressionou-me particularmente estes dois parágrafos:

Na bênção do dia claro, não pedi o café da manhã. Pedi para Roberto Carlos chegar à sua festa. E o anfitrião chegou. Sob os olhos de Jesus Cristo (sim, apesar dos cabelos grisalhos e das asas de anjo, Ele estava lá), Roberto acenava para a multidão, com os olhos marejados, em paz com a vida e com mais uma alegria que ela estava proporcionando para este coração que é como um palco.
Captei na máquina o último aceno que pude ver. Uma amiga disse que o "tchau" foi pra mim. Vi a escola se aproximar da dispersão, mas, apesar da movimentação das pessoas saindo da arquibancada, insisti com minha tia pra ficar até o último grito de Neguinho da Beija-Flor."

Maravilha!

Grande abraço, pá!