domingo, 12 de julho de 2009

Enxurrada de emoções



Quando o calhambeque azul estacionou no palco, logo depois da abertura instrumental criada pelo maestro Eduardo Lages, um coro de 68 mil pessoas recebeu o piloto responsável por grandes trajetórias na Música Popular Brasileira. ROBERTO CARLOS tinha a parada musical consagradora, digna de um artista que chegava a 50 anos de carreira e materializava o sonho de qualquer pessoa: ser capaz de lotar um Maracanã. Era a promessa da enxurrada de emoções que viria por aí.

O maior e mais mágico estádio do país deixava de lado seu futebol para reverenciar alguém que joga por música. Deu a impressão de que RC se espantou na primeira vez que encarou o mar de pessoas que o viam. Em vez de começar cantando, ele parecia querer perder a timidez, falando um pouco de como era o Maracanã, e confessando que já tinha ido ao estádio na infância. Aí sim, decidiu dizer as coisas como sempre soube dizer... CANTANDO!

E cantando a música que sempre foi associada a ele e a tudo o que ele transmite com seu repertório: Emoções. No Maraca, ele começava a viver um de seus momentos mais lindos, olhando para cada um daqueles que ele gostaria de olhar. Pois há tanto tempo ele estava longe de seu público, queria ao menos falar, para cada um dos presentes: Eu te amo, eu te amo, eu te amo. Afinal, sempre que ele dissesse "eu te amo", sabia que o Maracanã ecoaria com "eu também".

Amor que ultrapassa horizontes, e chega a lugar bonito e tranquilo, como dizem os versos de Além do horizonte. A canção seguinte fala o que muita gente quer dizer a ele: "sem você não sem viver". Um Amor perfeito. Contando em detalhes e também cantado em Detalhes, essas coisas muito grandes e inesquecíveis em cada show destes 50 anos. E até mesmo as dores de amores recebem a solidariedade da plateia, que se derrete somente em duas palavras: "Você foi...". Outra vez, mas um outra vez que ninguém cansa de repetir, com todas as pausas e suspiros. Nas quais RC pode pedir o amparo e dizer "só assim, sinto você bem perto de mim outra vez".

No momento mais bonito da noite, ele recordou com nostalgia sua vida de Cachoeiro em Aquela casa simples, e trouxe para o palco as homenagens a seus pais: seu Robertino em Meu querido, meu velho, meu amigo e dona Laura, ou, simplesmente, Lady Laura. Aos poucos, os aplausos não ficavam restritos à terra. O céu se emocionava com Roberto Carlos, e suas lágrimas se derramavam numa chuva que ficava cada vez mais forte. Até que, em Nossa Senhora, o manto de amor foi coberto por uma cascata de luz que vinha das arquibancadas de trás do gol (ou melhor, do palco de RC).

E chovia. Chovia na hora de Mulher pequena. E enquanto Caminhoneiro rolava, me fazendo relembrar a infância e a primeira canção do Roberto que eu ouvi, minhas lágrimas e os pingos dessa chuva se confundiam no Maracanã. E olha que eu ainda nem estava sentado à beira do caminho. A chuva torrencial fez muita gente trocar de lugares no estádio. Uns tentando ficar menos molhados. Outros, aproveitando que estavam meio molhados e ficando "molhados e meio".

O dilúvio aumentava, e veio o momento crucial da noite. Mistérios e negociações no palco, e, por fim, veio o maestro Eduardo Lages. Ele, que fala com as mãos para que todos ouçam as músicas do repertório de Roberto Carlos, desta vez soltou a voz para deixar a decisão nas mãos do Maracanã. "Podemos continuar?".



E o Maracanã, que em vários momentos abrigou decisões nas quais os acordes dissonantes dos gritos de torcida formavam uma trilha musical peculiar, encontrou uma unanimidade. Ecoou um maiúsculo "SIMMMMMMMMM".

Em resposta, Roberto Carlos evitou a dispersão do intervalo forçado com a seguinte confissão: "Eu gostaria de durante toda minha vida sempre ter feito canções de um amor bem-sucedido. Mas a vida não é bem assim, né? Em alguns momentos da minha vida a bronca foi muito grande. E esta canção eu fiz num momento de muita tensão. A coisa estava braba". E vem uma verdadeira "porrada musical", a maravilhosa Do fundo do meu coração. O temporal vinha do palco e soava nos sons distribuídos no estádio.

Do amor não muito bem sucedido ao amor erótico foi um pulo. Tudo começou com Proposta. Um primeiro e tímido passo. Para as ousadias de Seu corpo e Os seus botões, demoraram somente alguns acordes. E além de tudo, depois de tudo, veio Café da manhã.

A sensualidade chegou a seu ápice em Cavalgada, com o belíssimo arranjo de Eduardo Lages. Após a apresentação de seu RC-9 e do maestro Eduardo Lages, outro personagem importante na vida musical de Roberto Carlos iria adentrar. Mal começou Amigo, e o amigo Erasmo Carlos tentou esconder a ansiedade à sua maneira: surpreendendo Roberto com suas "erasmices" mesmo antes de entrar no palco.



Mais de três décadas depois, Roberto e Erasmo voltaram a chorar de emoção pela amizade simbolizada por uma palavra: Amigo. Os sorrisos e abraços festivos nesta chegada aos 50 anos de carreira de Roberto Carlos emocionaram os irmãos camaradas. Pela primeira vez em muitas apresentações, as lágrimas e os pingos desta chuva se confundiam com o pranto não só na interpretação de Sentado à beira do caminho.



A festa ficou completa com a entrada de Wanderléa, estonteante chegando ao som de Pare o casamento. A Ternurinha fez a gentileza de dividir os vocais em seu sucesso Ternura, e persistiu em cantar "engratidão" em vez da "ingratidão". Erro de português ruim, um detalhe ínfimo em tamanha festa.

A festa de arromba continuou mesmo com a saída dos dois. Em ritmo de aventura, a Jovem Guarda esteve presente em várias nuances, num pout-pourri que incluiu É probido fumar, Namoradinha de um amigo meu, Quando e E por isso estou aqui. Com Jovens tardes de domingo, veio a doce recordação de guitarras, sonhos e emoções. Emoções... Dramas, romances, comédias, paixões, desta vez com o cenário sendo o Maracanã. E novamente escapou um "Se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi".

Um grande amor. Que com palavras não pode ser traduzido. Resta falar Como é grande o meu amor por você. Mas para 68 mil pessoas, o "você" do título se tornou "vocês". Porque na escolha entre o bem e o mal, o público de RC era a maioria - e o bem É A MAIORIA, capaz de trazer uma certeza: É preciso saber viver.

A multidão se aproximava na hora de Jesus Cristo. Milhares de pessoas queriam uma última oportunidade de ter uma rosa do Roberto Carlos. O registro de que perderam o medo da chuva e se aventuravam no mar de rosas que ele atirava para seus fãs.

Eduardo Lages deu o último acorde da noite. O show tinha terminado. Mas aquele ronco barulhento do calhambeque de Roberto Carlos deu a certeza de que ainda há muito trajeto para ele cumprir nos nossos palcos. Muita água ainda vai rolar.

OBRIGADO, ROBERTO CARLOS. Este que vos escreve afirma que valeu cada pingo desta chuva de sábado, 11 de julho de 2009.



Abraços a todos, Vinícius.

DETALHES - Roberto e Erasmo

Não adianta nem tentar me esquecer
Durante muito tempo em sua vida, eu vou viver
Detalhes tão pequenos de nós dois
São coisas muito grandes pra esquecer
E toda hora vão estar presentes, você vai ver

Se um outro cabeludo aparecer na sua rua
E isso lhe trouxer saudades minhas, a culpa é sua
O ronco barulhento do seu carro
A velha calça desbotada ou coisa assim
Imediatamente você vai lembrar de mim

Eu sei que um outro deve estar falando ao seu ouvido
Palavras de amor como eu falei mas eu duvido
Duvido que ele tenha tanto amor
E até os erros do meu português ruim
E nessa hora você vai lembrar de mim

À noite envolvida no silêncio do seu quarto
Antes de dormir você procura o meu retrato
Mas na moldura não sou eu quem lhe sorri
Mas você vê o meu sorriso mesmo assim
E tudo isso vai fazer você lembrar de mim

Se alguém tocar seu corpo como eu não diga nada
Não vá dizer meu nome sem querer à pessoa errada
Pensando ter amor nesse momento
Desesperada você tenta até o fim
E até nesse momento você vai lembrar de mim

Eu sei que esses detalhes vão sumir na longa estrada
Do tempo que transforma todo o amor em quase nada
Mas quase também é mais um detalhe
Um grande amor não vai morrer assim
Por isso, de vez em quando, você vai, vai lembrar de mim

Não adianta nem tentar me esquecer
Durante muito, muito tempo em sua vida eu vou viver
Não, não adianta nem tentar me esquecer

Não... Não!

8 comentários:

Patricia Guimarães disse...

Que show maravilhoso! Cresci ouvindo e admirando a obra do nosso querido Roberto Carlos, sinto que o meu carinho pelo Rei se multiplicou depois deste 11 de julho de 2009.
Concordo com vc, os pingos dessa chuva (bem significativos) que coroaram este momento lindo, se confundiram com o pranto de muitos que estavam no Maraca prestigiando o grande artista, inclusive com o meu!

Armindo Guimarães disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Armindo Guimarães disse...

Olá, pá!

Fantástica a forma como jogaste com o mau tempo que fez no Maracanã, umas vezes fazendo da chuva um mar de lágrimas (algumas tuas) e outras vezes um mar de emoções.

E nessa enxurrada de emoções gostei de saber do homem que fala a cantar, do homem que fala com as mãos, do homem que fala com erasmices e da mulher que fala com ternurinha.

Abraços robertocarlisticos

Everaldo Farias disse...

E Obrigado Vinícius,

Você estava lá, sentiu a emoção e nos presenteou compartilhando dela conosco! De todos os relatos que já li esse é o mais perfeito, o mais emocionado, o mais fiel a tudo que assistimos e imaginamos em termos de espetáculo!

Blog Música do Brasil
www.everaldofarias.blogspot.com

Um forte abraço a todos!

James Lima disse...

Sinceramente, Vinícius.
Você é fera, rapaz !

Fico feliz demais de saber que temos um jornalista como você, para fazer-nos viver tantas emoções como essas, né?

E o título da matéria... Sinceramente, sem comentários... "Enxurrada de emoções". Mais uma vez, parabéns !

Um Forte Abraço
James Lima
www.robertocarlosbraga.blogspot.com

Márcia Tristão-Bennett disse...

Meu Poetinha Vinicius!!!!!

" A Enxurrada de Emocoes " -

Eu sempre te digo e voce jah deve estar ficando cansado de ouvir a mesma coisa, mas, tenho que dizer de novo...eu ainda vou ver seu nome em muitos trabalhos de pessoas serias, de renome, e que tem bom gosto literario!! Este seu texto estah perfeito! Muito bem escrito, apesar do pouco tempo que voce teve...acho que suas emocoes foram tantas, que mais valia entrega-las logo aqui, no texto, do que esperar que te fugissem da memoria!!!

Voce me lembrou o seu texto do Teatro Municipal, lembra? Voce foi, novamente, capaz de carregar nas tintas o suficiente, nem mais nem menos, para que o cenario fosse tomando forma a medida que o artista desvendava o misterio da apresentacao, ou melhor, fazia o show mais transparente para o publico!!!!!!

Parabens, meu Poetinha!!!!!!

Um beijo no seu coracao!!!!!!!

Carmen Augusta disse...

Olá Vinicius!

Belo relatório sobre o belo show de sábado!
Apesar da chuva o show foi lindo.
Vocês embaixo,não viram o que eu e outros tele espectadores vimos.
Os efeitos especiais das luzes. Maravilha.Elas refletiam sobre vocês e faziam desenhos.

Não gostei de uma coisa. Achei que Erasmo e Wanderléia ficaram muito pouco tempo no Palco. Deveriam ter cantado as músicas da Jovem Guarda juntos.
Enfim...

Mas ele está quase bom, cantou "Quando", fazia anos(30 segundo o Maestro)que não cantava, nem acreditei.Agora só falta "Quero que vá tudo para o inferno"...

Parabéns meu jornalista preferido!

Beijos mil,
Carmen Augusta

Diego Bachini Lima disse...

Põ como a gente não se viu lá? hahahahha
Tenho a cada segundo mais certeza que tudo o que eu senti, todo mundo sentiu.
Você estava aonde Vinícius? eu estava nas cadeiras azuis um pouco a direita atras do gol. gravei um video básico http://www.youtube.com/watch?v=4AD4kWAEOe0

vai lá comenta e coloca o seu link também:
http://dblmyway.blogspot.com/2009/07/se-for-um-sonho-por-favor-nao-me-acorde.html

Seu post não foi só muito bom, foi muito verdadeiro.

Abraço.
Diego Bachini Lima
Nova Friburgo - Rio de Janeiro